Estava a pensar no outro dia como nunca mais publiquei análises de jogos. Não parei completamente de jogar, mas sinto que estou sempre cansada. E não é falta de acesso a jogos; tenho um backlog que nunca mais acaba. Recebo jogos para análise ainda, mas ultimamente tornou-se mais difícil escrever. Talvez seja da idade. Ou talvez algo mais profundo.
Porque a verdade é que eu ainda adoro jogos. Mas estou a começar a detestar aquilo em que se tornou a indústria.
A Máquina Sem Alma
Tu consegues sentir quando um jogo foi feito com amor. E também ainda melhor quando não foi.
Há um certo peso que fica quando ligas um jogo que foi claramente construído com base em prazos e reuniões com investidores. É quase como entrares numa padaria familiar e encontrar agora máquinas a moedas a preencher esse espaço.
Ultimamente, tantos jogos dão esse feeling. Mal acabados, à pressa, ou simplesmente vazios. O tipo de lançamentos que nos fazem questionar se aquelas pessoas sequer jogaram o que fizeram.
E nem me digam nada sobre os eventos gaming. Pagas mais de 20€ (em Portugal, pelo menos) para entrar e depois aquilo que se vê por todo o lado são bancas de marcas. A maioria nem tem nada a ver com jogos. Atravessamos corredores e corredores de anúncios, promotores a recolher os vossos emails em troca de porta-chaves com o logo deles. Há uns anos pelo menos fingiam que queriam saber da nossa experiência nos eventos. Agora é só recolha de dados glorificada. É o capitalismo no seu melhor e no mesmo human: retira a alma e monetiza os restos.
 
Jogos que ainda parecem humanos
Mas, de vez em quando, encontramos um jogo que nos lembra porque gostamos tanto de jogos.
Baldur’s Gate 3 foi um desses para mim. Pagas uma vez, e recebes updates que realmente ouvem a comunidade. Sentes aquele carinho em cada patch. E o jogo é teu. Não é fantástico? Sem subscrições?
Ou aqueles indies em acesso antecipado, alguns hoje já na versão completa, como Phasmophobia, Lethal Company, REPO, ou Devour. Compras a um preço baixo de lançamento, e os desenvolvedores continuam a melhorá-los porque se orgulham do que criaram. Dá para perceber que muitos deles até têm outros empregos. Vivem da paixão, que ironicamente também não é muito sustentável, tendo em conta o trabalho que dão a fazer.
Esses jogos não são perfeitos, mas estão vivos e crescem connosco. Sentimo-nos parte do processo de criação e não umas transações ambulantes.
O Poder do Jogador
Eu sei que algumas pessoas não gostam de misturar jogos com política, mas pronto. Tudo é política quando envolve dinheiro. Como jogadores, temos voz, e é mais forte do que pensamos.
A tua carteira, o teu tempo, os teus dados interessam mais do que tu pensas. Se te queixas da qualidade dos jogos, mas os compras na mesma, estás a dizer-te a ti que mereces o mínimo dos mínimos. E às marcas.
Olhemos à nossa volta: as pessoas andam a boicotar marcas diariamente porque querem alinhar o dinheiro aos valores, àquilo em que acreditam. Tal como quando meio mundo boicotou a Disney pelo cancelamento do programa do Jimmy Kimmel. Por que não fazer o mesmo com os jogos? Se as produtoras continuam a empanturrar-nos com jogos mal acabados a preço inteiro, talvez se calhar não devêssemos fazer pré-compras. Talvez devêssemos parar de dar o benefício da dúvida. Porque de cada vez que nos recusamos a aceitar, a indústria não tem outro remédio se não ouvir-nos.
 
Porque Jogamos na mesma
Eu parei as análises de jogos por uns tempos porque também não estava a gostar no que me estava a tornar. Reduzir experiências a números parece-se demasiado com dar notas aos alunos num sistema injusto que foi claramente modelado pela revolução industrial. Como é que classificamos a alegria? Ou o luto? Ou espanto?
Os jogos servem para nos fazer sentir. Escapar. Conectar.
Lembram-se do confinamento em 2020? Quando visitar a ilha do Animal Crossing de alguém era a coisa mais próxima que tínhamos de um abraço amigo?
Talvez este nem seja o melhor exemplo, sendo que é um jogo que nem fez grandes updates durante anos (até recentemente), deixando os jogadores pendurados, ignorando pedidos de qualidade de vida no jogo (Okay, novo conteúdo anunciado agora!). Mas foi algo que ficou na consciência coletiva. Até houve um podcast feito dentro do jogo!
Não quero com isto dizer que esports e produções com grandes orçamentos não sejam importantes. Mas o que aconteceu ao parar, respirar, e jogar que ajuda uma pessoa a centrar-se um bocadinho sem estar sempre em sobre-estímulo e em risco de insolvência?
O que jogar quando o mundo arde?
Porque, honestamente, essa é a questão a que voltamos. Quando o munda é demasiado, quando os títulos das notícias ardem, o que é que jogamos para nos sentir em controlo novamente?
Acho que é aí que quero chegar com este desabafo sobre a indústria. Estou chateada porque quero saber e porque ainda me lembro. Porque algures entre loot boxes, DLC pagos, e pré-compras, ainda ando à procura daquela faísca que me fez apaixonar por jogos em criança.
Provavelmente não vamos corrigir o sistema de hoje para amanhã. Mas podemos sempre escolher o que apoiamos. Podemos continuar a procurar e adorar jogos que nos fazem sentir algo mais. Como quando partilhávamos gargalhadas com os primos a jogar Bomberman nos anos 90. Ou horas com amigos à espera que os jogos instalassem naqueles computadores monstruosos e barulhentos. Ou a primeira vez que salvámos a princesa.
Portanto digam-me: quando o mundo arde, o que jogam?
Em parceria com Writemosphere. (Versão em inglês)
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